domingo, 7 de setembro de 2008

Caminhando perto de casa

É verdade...um dia de cada vez é bem melhor.....
Hoje amanheceu cinzento e volta e meia o sol atravessava as nuvens carregadas de eletricidade, clareando apenas alguns pedaços das ruas, como um olho a nos espiar pela fresta. O vento alimentava o frio empurrando-o contra a ponta de nossos narizes. Ninguém na rua, as árvores de um verde vibrante contrastam com a escala de grafites do dia, elas dançam chacoalhando suas cabeleiras denunciando o sentido da corrente de ar, cachorros de todos os tamanhos correm e latem criando uma sinfonia que anuncia nossa passagem em cada uma das ruas, as mãos dentro do bolso tentam encontrar o calor e o rosto se encolhe dentro do capuz.

Por alguma explicação que ainda não consegui colocar em palavras, meu coração está estranhamente tranquilo, caminho pelo tapete preto feito de piche, deixo o peito gelar numa respiração profunda, parecida com aquelas de quando estamos prestes a mergulhar.

Olho pro meu irmão e sei que o dia se passará com frases incompletas e pensamentos que se perdem...gosto disso me dá a sensação de conhecê-lo profundamente, vamos caminhar muito, e a noite minhas pernas irão doer, mas eu quero, eu preciso.

Na praça, algumas horas depois, no escuro, em frente ao banco de madeira, no meio dos balanços o escorregador está cercado por água que reflete a luz sépia do poste velho, nós esperavamos, daquele momento em diante meu dia mudaria de tal forma que a sensação térmica passaria a ser indiferente. Pouco a pouco o dia se transforma, agora estavamos em três pessoas alguem que eu não conheço começa a conversar conosco, é conhecido dele , mais baixo do que qualquer um de nós, passa alguns minutos falando de sua própria vida, o que acho digno, afinal tem quem se interesse mais pela dos outros e vai embora, como um fantasma.

Continuavamos a esperar....logo mais alguém chegaria e traria consigo a minha caixa de pandora, antes caminhamos até a esquina tentando lembrar onde mesmo que ela morava (uma amiga, dessas que vc sabe que é tão igual que o tempo não se encarrega de acabar com a amizade), mas é em vão. Na mesma esquina, alguém liga pra namorada do orelhão; estão em um impasse sobre quem tem a culpa. Meu irmão se curva para alcançar a persiana de ferro que desce no final do expediente na mercearia, hoje é domingo, assustada porém mais necessitada, vende os cigarros avulsos, foram pedidos R$0,30. Retornamos ao banco da praça, quase desistindo.

Do outro lado da rua, ajeitando a blusa e colocando o gorro, ele chega.....eu quero contar tudo, todas as coisas que vivi.....e estou anciosa pra isso (essa minha reação foi mais outra surpresa), mas ele é complacente e pacencioso e acho que percebeu o quanto eu precisa disso, houve permissão, eu senti.
É verdade, as lembranças ficam mais vivas quando você encontra pessoas que te conhecem de longa data. Nostalgicamente aos poucos, no lugar do terreno vazio que servia de atalho para o colégio onde estudei, casas se levantaram, há muitas em construção, mas ainda há muito verde, diferente de São Paulo, onde a natureza já perdeu seu espaço.

Resolvemos que é melhor caminhar, já não sentimos mais os dedos do pé, um grupo de motoqueiros irá nos perseguir, somente na nossa imaginação, eles cruzaram tantas vezes pelas mesmas ruas que desconfiamos de suas intenções, afinal um de nós acabará de ser assaltado: moto e celular uzurpados do fruto de um trabalho, injusto e revoltante.

Quando reconheço o muro do cemitério, logo em seguida ao meu comentário....o arbusto move-se, alguém está tentando se aquecer ali, um miseravel se aconchega na sua cama de jornal e creio eu na minha dedução simplista e descarada, de que a solidão só não é maior por conta de um cãozinho que se ajeita logo abaixo de seu braço. Uma pegunta fica no ar: porque escolher aquele lugar, nunca saberemos! Nesse exato local a primeira entrada no passado: - Olha, são os prédios da base áerea, o primeiro é o do Pitty. - Aqui, não dá pra ver, mas é o bar do alemão, por trás da casa....é verdade o tempo voa.
Continua.....

Primeiras pedras

E eu chego aos braços do ventre que me concebeu como quem pode ajudar, mas mal sabem ele que meu coração pede abrigo...
Observo-a e percebo que a vida quase lhe escapou do corpo...uma força surpreendente desenha sua face: a vontade de viver. Uma vitória, penso, pois de alguma forma sei que a batalha apenas começou, mas não quero conspirar contra a esperança, o tempo sempre me pressionou e hoje quero exatamente esse momento; nem antes nem depois: agora...
Há mais quadros na parede do que na minha última visita, não cresci nesse casa, não há nenhuma lembrança da minha infância por aqui, não há nada meu, a não ser as pessoas que as habitam...
Minha mãe começa a falar, mas sinceramente não a ouço, vejo seus lábios se mexerem e a revisto de cima a baixo, ela está mais magra, o cabelo mais curto, o pijama largo, deitada em lençois coloridissimos, se ajeita devagar e me abraça, que vontade de chorar, mas estranhamente contenho cada gota de água e sal dentro dos meus olhos, me esforço e capturo o som de sua boca. Ela fala de amor, fala do medo que sentiu, descreve as pessoas que tornaram a jornada mais suave. Lembro que não estou por perto há muitos anos e que de certa forma esses seres humanos sabem mais dela do que eu, sinto ciúme, sinto raiva, sinto culpa... Ela procura as palavras para não me deixar de fora do círculo de apoio, mas eu sei que não fiz muito, aliás sei que na minha ansia de ser perfeita e tornar tudo mais simples (sobre a minha perspectiva, claro!) ´causei mais desconforto do que deveria...
Agora vou dormir, quero acordar diferente, hoje ainda estou triste e fraca, estou fugindo o máximo que posso das conversas densas cheias de conteúdo sobre a vida.
Por que quando a vida fica por um fio o melhor é deixar que ela volte de mansinho, para então acende-la como a um fósforo....por que no final das contas é isso que somos....um faísca, uma pequena luz...Não lembro quem disse, mas vou repetir: existimos porque os outros pensam em nós....